O que é um bom argumento?
No texto anterior, explicamos o que é um argumento. Vimos que duas condições são necessárias para termos um argumento: precisamos de uma conclusão e uma ou mais premissas que justifiquem essa conclusão.
Porém, para o argumento ser bom é necessário algo mais. Além de conclusão e premissas, são indispensáveis mais três condições:
- As premissas do argumento devem ser verdadeiras ou pelo menos aceitáveis para uma pessoa razoável.
- As premissas devem oferecer informações relevantes para justificar a conclusão.
- As premissas devem oferecer informações suficientes para justificar a conclusão.
Vamos entender como reconhecer cada uma dessas condições analisando alguns exemplos.
Premissas verdadeiras ou aceitáveis
Considere o argumento abaixo:
Todo gato tem duas pernas.
Miau é um gato.
Portanto, Miau tem duas pernas.
O argumento acima tem um defeito grave. A primeira premissa (“todo gato tem duas pernas”) é claramente falsa e esse problema acaba comprometendo a conclusão de que Miau tem duas pernas. Esse argumento é ruim, portanto, porque viola a primeira regra de um bom argumento.
Esse é um exemplo simples. Há casos mais complexos nos quais é difícil avaliar se as premissas são verdadeiras ou aceitáveis. Considere o exemplo abaixo:
Passamos a ter almas quando somos concebidos, no momento em que o óvulo e o espermatozóide são fecundados.
Portanto, todo tipo de aborto a partir desse ponto equivale a um assassinato e é errado.
Ele é problemático, pois a primeira premissa não pode ser considerada verdadeira ou aceitável, já que se trata de matéria de fé sobre a qual há amplo desacordo. Não dispomos de evidências amplamente aceitas que demonstrem que de fato é assim que acontece.
Note que a palavra “aceitável” não significa, nesse caso, uma premissa que é aceita por alguém. Uma pessoa religiosa provavelmente consideraria a premissa do argumento acima aceitável, mas a exigência aqui é maior.
A ideia de aceitável tem a ver com a premissa não ser alvo de disputa generalizada. É pacífico, por exemplo, que o paracetamol contribui para reduzir a dor de cabeça, já o mesmo não pode ser dito quanto a causar câncer, ainda que algumas pessoas possam considerar aceitável pensar assim. Portanto, a primeira afirmação é “aceitável” no sentido relevante, enquanto a segunda não.
Premissas relevantes
Considere o exemplo abaixo:
Mereço um aumento de salário.
Pois se isso não acontecer vou ficar muito bravo e não queira saber do que sou capaz.
Suponha que é verdade que a pessoa do exemplo é brava e capaz de provocar danos graves. A premissa de seu argumento é, portanto, verdadeira. Isso torna seu argumento bom? Não, pois viola a segunda regra do bom argumento.
O problema aqui é a falta de relevância da premissa. Pouco importa se uma pessoa é ou não agressiva e capaz de provocar danos, isso não a torna mais ou menos merecedora de aumento salarial. O que realmente seria relevante nesse caso é se desempenha um bom trabalho ou não.
O argumento abaixo não comete esse erro:
Nos últimos dois anos me qualifiquei para a função que desempenho e tenho demonstrado um ganho constante de produtividade.
Por isso mereço um aumento de salário.
O uso de premissas irrelevantes pode ocorrer de diferentes formas. Em todos os casos resulta em falácias de relevância como: apelo à autoridade irrelevante, falácia genética, ad hominem, entre outras.
É importante notar que uma premissa falsa ou não aceitável pode ser relevante. Na verdade, não precisamos saber se uma premissa é verdadeira ou falsa para avaliar se ela é relevante ou não. Considere o exemplo abaixo:
Você deveria deletar suas redes sociais. Quer saber por quê?
As redes sociais prometem aproximação e conexão entre pessoas, socialização, amizade, amor, enfim, felicidade. Mas o que acontece é o contrário. Através do bullying virtual, dos trolls e principalmente da ostentação de padrões de beleza e status muitas vezes falsos, ela gera mais infelicidade do que o contrário. E várias pesquisas comprovam que as pessoas se sentem infelizes ao passarem tempo navegando em coisas como o Facebook e o Instagram.
Poderíamos dizer que uma das premissas do argumento acima, a afirmação de que as redes sociais geram infelicidade, não é aceitável. Afinal, diz que muitas pesquisas comprovam mas não cita as pesquisas. Ainda assim, essa premissa não deixa de ser relevante, afinal o fato de algo gerar felicidade ou não para um ser humano é importante na hora de decidir deletar um não as redes sociais. Para fazer essa avaliação, devemos usar um raciocínio hipotético. Supondo que a premissa é verdadeira, ela é relevante para justificar a conclusão?
Ainda assim, mesmo supondo que o argumento acima tem premissas aceitáveis e relevantes, pode ser que não o consideremos por uma terceira razão: elas não são suficientes para justificar a conclusão.
Premissas suficientes
Considere o exemplo abaixo:
Tenho certeza que o candidato a presidente da república do Partido das Falácias (PF) vai ter a maioria dos votos. Fiz uma pesquisa com as pessoas que conheço e praticamente todas disseram que irão votar nele.
As premissas desse argumento trazem informações que são relevantes para mostrar que a conclusão é verdadeira, mas são insuficientes. O grupo de pessoas que conhecemos é uma amostra muito limitada para chegarmos a uma conclusão sobre como todo um país irá votar. Então, nesse caso, mesmo que a premissa seja verdadeira, o argumento não é bom por violar a terceira regra do bom argumento.
Já o argumento abaixo não comete o mesmo erro:
Foi feita uma pesquisa com 5000 pessoas de todo o Brasil sobre suas intenções de voto para Presidente da República. Dessas pessoas, 1500 disseram que votariam no candidato A e 3500 disseram que votariam no candidato B. Portanto, provavelmente o candidato B ganhará a eleição.
Se é verdade o que afirma as premissas do argumento e se esses dados foram coletados através de procedimentos adequados (sem induzir as pessoas a escolher um ou outro candidato, por exemplo), podemos considerar esse um bom argumento. Sua conclusão tem grande chance de ser verdadeira, ao contrário da anterior.
O uso de informação insuficiente nas premissas também é um tipo de falácia muito comum que ocorre quando fazemos generalizações ou estabelecemos relações de causa e efeito. Essas falácias são chamadas de falácias indutivas e falácias causais.
Alerta de equívoco
Um erro comum cometido por pessoas que não têm contato com o estudo da argumentação é pensar que um bom argumento é aquele com o qual concordamos com a conclusão. Então, se o argumento defende X e acredito que X é verdade, digo que é um bom argumento.
Evite cometer esse tipo de erro. Podem existir argumentos bons que defendem conclusões contrárias ao que acreditamos e podem existir argumentos ruins que defendem exatamente o que pensamos. Considere sempre que um argumento bom deve atender aos três critérios acima, não estar de acordo com nossa opinião.
Referências
Damer, T. Edward. Attacking faulty reasoning: a practical guide to fallacy-free arguments. California: Wadsworth Cengage Learning, 2009.